Acompanhou algumas fases do desenvolvimento da raça e dos Três Tambores
Tudo começou com Henrique Herweg, pai de Guido Herweg, que iniciou a criação de cavalos Quarto de Milha em Bauru em 1982. O Sr Henrique adquiriu várias matrizes muito conceituadas, vindas da King Ranch Brasil, e também alguns garanhões importados. Na época, a ideia não tinha o cunho do esporte de velocidade. Eram cavalos com linhagem de Trabalho, e até Corrida, porém eles participavam mais de provas de Conformação.
Como Guido sempre trabalhou em fazenda por sua profissão de Agrônomo, Helena Herweg teve a ideia de colocar os filhos em uma escolinha de Tambor e Baliza, do Lu Moreira, em Bauru/SP. A família tinha os cavalos e as crianças ainda não tinham criado aquela paixão por nenhum esporte até então. Quando os filhos começam a competir, geralmente é a porta de entrada de muitas famílias para uma criação de cavalos mais especializada.
Alexandre, Martha e Christian tinham em média dez anos de idade quando começaram. Paixão quase que instantânea. A família toda está junta dentro e fora das pistas até hoje, cerca de 35 anos depois. O nome deles como competidores está inserido na classificação de provas como Tambor, Baliza, Team Penning e Ranch Sorting. A criação também, com o sufixo Agae, se destaca em modalidades diversas.
Sinônimo de qualidade em Bauru, sem dúvida, o Haras Agae é um dos grandes fomentadores do cavalo Quarto de Milha e suas modalidades. Como não poderia deixar de ser, se envolveram também na diretoria do Núcleo Bauruense do Cavalo Quarto de Milha – NBQM, um dos mais tradicionais núcleos regionais até hoje.
NBQM e as mulheres do Agae
Uma história que marca muito Helena é quando ela assumiu a presidência (2004 a 2006) e formou uma diretoria só de mulheres. “Juliana Silveira, namorada na época do Lu Moreira, foi a primeira presidente mulher do Núcleo, e depois eu assumi. Não entendia nada, não sabia como eram as categorias, não sabia nada. O Guido me ajudou muito nesse processo. E a nossa diretoria toda feminina foi um sucesso, chamamos atenção de todos, da mídia em geral também”, relembra.
Foram quatro gestões femininas seguidas no NBQM, depois da Juliana e da Helena, entrou a Mônica e a Paola Daré Braga. As mulheres fortes de Bauru voltaram à presidência do Núcleo depois com a Camila Shayeb Dosso, Carolina Fanton e Martha Herweg, que passou o bastão ano passado. É uma das marcas do NBQM, com certeza, já que elas foram as primeiras, especialmente a gestão da Helena, no meio do cavalo a ter uma diretoria totalmente feminina.
Elas fazem parte da história do cavalo e da cidade de Bauru nesse contexto. Toda a dificuldade que enfrentaram, sem recursos na época, fez com que o NBQM fosse se tornando referência pela forma como começaram a gerir as provas e o que implementaram. “A gente sempre tentou saber das pessoas o que estava bom, ruim e o que podíamos melhorar. Pedíamos sugestões. E íamos implementando as coisas e as pessoas iam aprovando, a gente seguia”, complementa Helena.
Rapidamente, o modelo do NBQM gerou um aumento exponencial de inscritos. À medida que as modalidades cresciam, o Núcleo também, e foram elas que seguraram as pontas. “A gente também fazia questão de frisar que o Núcleo Bauruense tinha a função de iniciar os competidores nas competições. Tivemos a preocupação de estimular as crianças a gostarem do esporte, então instituímos as premiações como sacolinha com brinquedo, bicicleta, medalhas para todos os participantes. Ninguém fazia na época e a gente implantou. Nem existia a categoria Mirim, né?”
Cuidar das crianças, esse é um dos grandes diferenciais que faz todo o esporte crescer. Anos depois, de 2016 a 2018, foi a vez da Martha assumir o NBQM. “Só dei conta porque a Sandra foi meu braço direito. Eu não tinha tempo. O Juliano e a Camila também me ajudaram muito. Não entendia nada da parte burocrática e eles foram essenciais. Uma coisa que fiz bastante foi saber certinho quantos inscritos em cada categoria e quebrar a cabeça para ver como eu poderia aumentar isso. Nossa região é de criadores e as categorias amadoras estavam minguando, a força era só a aberta”, lembra Petit.
Com toda a experiência, é imperativo para Petit que a pista do Recinto de Exposições onde ocorrem as provas do NBQM sejam cobertas. Bauru é referência em criação de cavalos Quarto de Milha, em sua maioria para Tambor e Baliza, e evoluir para a competição mais importante da região ser em pista coberta é essencial para o contínuo crescimento não só do Núcleo, mas de todo a cadeia.
O entrave se dá porque o Recinto é público e os criadores não querem investir em algo que pode não ser concreto. “Foi um dos motivos também que não quis mais estar à frente do NBQM, acho que precisamos ter provas em pista coberta e pronto”, reforça Petit.
Guido relembra que essa conversa é antiga, mas todos os patrocínios para cobrir pista queriam exclusividade para o uso da marca e a prefeitura recusou. “Se você notar, esses melhores do ranking, os criadores, não são os milionários, são pessoas que trabalharam e fizeram por amor, Dr. Eraldo, o Fauzet, o Tolentino. Eles fazem por conhecimento, por amor, estudam aquilo, gostam se dedicam, buscam sempre algo de melhor. Então, por isso que aqui fica difícil de sair essa pista particular. Não temos dinheiro”, reitera Guido.
Formação do plantel
Mesmo crescendo no meio pela criação de cavalos do Haras, Petit, como Martha é carinhosamente conhecida, no começo chorava quando montava. “Eles me davam um cavalo lerdo, que só comia e não andava, aí eu batia, batia a perna e não acontecia nada, daí eu chorava, fazer o que?”. Aos nove anos, no entanto, como reforça Guido, ela já montava sozinha, mas não gostava muito.
Helena ainda arremata: “Quando ela começou, a gente falava assim ‘bom, ela não tem jeito nenhum para o negócio, mas como a gente cria cavalo, é um meio gostoso, deixa’. Juro que eu pensei isso e olha o que ela se tornou”, conta a mãe orgulhosa, com o pai também corroborando.
A coisa começou a ficar mais séria com Operetta Agae, que Petit montava, e Nascent Agae, do irmão. “Ganhamos muitas provas com elas, inclusive a Operetta foi campeã Potro do Futuro ABQM nos Três Tambores em 2002. Ai gostamos da brincadeira! Logo em seguida vieram o Pom Pom Agae e o Quantun Agae. Com esses dois que eu me formei mais, pois eles corriam muito e eram muito fieis. Ganhamos muitas provas e, muitas vezes, fazia o melhor tempo da prova ganhando até dos treinadores. Eu tinha apenas 14 anos nessa época”, fala Petit.
Poucas pessoas chegaram onde ela chegou aos 26 anos. Das provas, que começou em 2001 no NBQM, passando pela faculdade, onde teve que se dividir entre os estudos e as competições. Poderia ter continuado assim, curtindo esse meio, seus animais, os amigos. Mas Petit sonhou mais alto! Buscou aprender técnicas de treinamento, conhecer mais sobre animais de alta performance e também assumiu a responsabilidade de treinar seus cavalos de prova e administrar seu haras.
Se não bastasse, ela presidiu o NBQM por dois anos e ainda faz parte da diretoria da ANTT. E o ‘pulo do gato’ foi quando ela passou um período na China, vivendo cavalo em tempo integral. Resolveu aprender de vez como funcionava tudo e entrou de cabeça na administração do Agae, dos cavalos e do treinamento deles. Será que ela imaginava que tudo isso ia acontecer na sua vida?
“Não, não imaginava. Quando eu voltei da China, voltei com várias ideias. Antes de eu ir, não ganhava nenhuma prova fazia três anos. Era bem desanimador o processo, então surgiu a oportunidade da China e eu fiquei lá quatro meses. Comecei a montar os cavalos lá e eles se comportavam totalmente diferentes dos meus. A Bruna Tedesco me ajudou muito e me ensinou a mexer um pouco, ela e o Matheus Costa, me deram várias dicas. Eu não sabia nada, nada, nada, o que era freio, não sabia treinar nada, só sabia galopar e correr. Ai eles me davam as dicas e eu falava: ‘só isso e vai funcionar?’”
Mudança de panorama
Então, por volta de 2012, os cavalos de criação do Agae na mão de outras pessoas estavam ‘voando’ e os que estavam no Haras não ‘viravam’ nada. Depois da experiência na China, o treinador foi mandado embora, pois não falava a mesma língua do que eles achavam que daria certo para os cavalos. Quando Petit começou a aplicar o que tinha aprendido na experiência no exterior, os animais voltaram a ir bem e ela voltou a ganhar.
O resultado veio logo na primeira prova, Petit ganhou e fez o primeiro tempo de 17 segundos de uma égua que estava a dois anos no 18. “Aquilo me deixou doida e eu queria sempre mais (risos). Passei a conversar muito com treinadores, buscar dicas com os treinadores que eu gostava”. Pouco depois Sidnei Junior foi trabalhar de treinador com eles. Mudou a história do Haras Agae, foi fundamental para essa nova fase.
O dia a dia é corrido. “Depois que termineia faculdade, me dedico integralmente ao haras. Treinar é o mais fácil e que exige menos tempo, cuidar dos cavalos e do haras é o mais complicado. Quase todo dia algum cavalo se machuca, tem que encomendar os remédios, acompanhar visita dos veterinários, que é praticamente toda semana. Fazer as cruzas, gerenciar os pastos com os potros, potras, éguas de cria”.
Petit ainda coloca na sua lista de afazeres: “Sempre verificar data de exames para prova, atestados, não perder data de vacinação, vermifugação, casqueamento da tropa toda e tem o ferrador dos cavalos de prova. Encomendar ração, não deixar faltar suplementos. Parece bobeira, mas todo dia tem alguma coisa para se preocupar, dá pra ficar doidinha (risos) e ocupar bem o tempo”.
Com o advento das redes sociais e todo esse sucesso nas provas, os cavalos dando resultados em pista, todo mundo quer uma dica da Petit. Em seu Instagram já são mais de 32,5 mil seguidores, que querem saber de tudo, desde a marca das roupas que ela usa até detalhes do treinamento dos cavalos. Com certeza, ela é uma das influenciadoras desse mundo e que passa uma imagem mais do que especial e confiável.
Na visão de muitas pessoas, o processo de treinos dos cavalos que Petit realiza é consequência. O mercado, talvez, veja ela de outra forma, como gestora. Saiu do ‘cliché’ da filha que tem pais que podem proporcionar os cavalos para ela competir, para uma pessoa que consegue escolher bem a linhagem dos animais, que treina seus cavalos de prova e que ainda gerencia quais serão vendidos nos leilões ou em vendas diretas. O cavalo deixou de ser hobby na vida dela para virar seu trabalho, seu negócio. Claro, que com toda a família trabalhando junto, sempre.
Futuro
E ser gestor requer visão de futuro. Entre os projetos do Haras Agae está o de preparar cavalos para o amador montar. “É uma falha que identificamos no mercado, não tem cavalopara o amador pronto, treinado para o amador competir. Não existe mais treinador para amador, uns três ou quatro que estão bem empregados e não saem por nada”, garante Petit.
E ela reforça: “Hoje não temos um CT igual ao do Lu e do Vaguinho, que todo mundo treinava. E a procura de cavalos por amadores é grande. Cavalo que você põe a mão no pito e ele vira. Então, a gente tem essa linhagem, Castanho Red, Shady Lee, Shady Blue, não são animais com linhagem fechada em Corrida, e que dão super certo para amadores. É isso que a gente tem feito”.
No dia a dia dentro da pista, o Haras Agae, além da Petit no gerenciamento e treinamento, tem o Bryan domando os potros e o Lu Moreira voltou ao rancho para treinar os cavalos depois de domados. Finalizando a entrevista, ela conta que não se vejo, hoje em dia, em nenhum ambiente diferente desse. E se diz muito grata por toda sua família ser tão apaixonada por cavalos como ela.
“É um esporte que exige muito apoio, a pressão é muito grande. Não ter um apoio familiar torna tudo mais difícil, principalmente nos dias ruins, né? Eu valorizo muito a família, sempre fui criada assim e acredito ter esse respeito pelos meus pais e irmãos foi essencial para eu fazer o mesmo tratamento com meus cavalos, que considero todos como meus filhos e depois que cria esse vínculo não tem mais como parar”, finaliza Petit.
Por Luciana Omena
Colaboração: Verônica Formigoni
ESPECIAL Bauru – Revista Tambor & Baliza – Ed. 83
Fotos: Cedidas/Arquivo Pessoal
Fonte: https://cavalus.com.br/geral/haras-agae-faz-parte-da-historia-de-bauru-e-do-quarto-de-milha-no-brasil