Os reflexos da pandemia sobre o forte mercado da equinocultura brasileira, por Orlando Filho
O assunto sobre o novo coronavírus (COVID-19) é a pauta mais importante no momento, com informações e notícias sendo veiculadas a todo tempo, em todos os meios de comunicação e redes sociais. Nas ruas é perceptível como a população está alerta e preocupada acerca do assunto. No âmbito mundial, a nova pandemia se tornou o tópico principal.
Para a economia mundial, é uma doença com número de casos acima do esperado e que afeta vários países e continentes, com grandes impactos, com forte oscilação e indecisão nos investimentos. Evidentemente, que assim como os demais setores, a agropecuária também terá seu desenvolvimento comprometido. Nesse sentido, o segmento da equinocultura brasileira já se depara com os impactos resultantes da chegada do coronavírus (COVID-19) ao País.
Com um rebanho de equinos, segundo estimativas, que supera 5 milhões de cabeças e que representa um movimento de mais de R$ 16 bilhões ao ano, não há dúvidas de que o agronegócio do cavalo, com sua expressiva participação social e econômica, sentirá as consequências da crise mundial oriunda desta atual pandemia. Vale ressaltar que esses são números divulgados em 2016, baseados em critérios conservadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/ Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Ou seja, podemos considerar que seriam ainda superiores nos dias atuais.
Tendo em vista que na cadeia produtiva do cavalo, o “produto final” se faz representado pelo animal que está apto a ser montado, seja para prática de esporte, trabalho ou lazer, e que os maiores meios de comercialização são os leilões presenciais, fica evidente quais serão os principais enfrentamentos do setor na atual conjuntura.
Competições equestres, atividades de lazer e leilões presenciais são claramente potenciais acontecimentos com números expressivos de participantes, caracterizando aglomeração. Sendo assim, sua realização vai totalmente contra as recomendações dos órgãos competentes, que estabelece a não promoção de eventos com expressiva quantidade de pessoas, razão pela qual centenas de eventos equestres estão sendo suspensos, adiados e até mesmo cancelados, com base nas recomendações preventivas, gerando uma série de dúvidas e incertezas sobre a possibilidade de sua realização.
O fato é que não há como deixar de se preocupar com o impacto que o coronavírus (COVID-19) trará para o mercado da equinocultura. Porém, ao recordarmos situações anteriores de crise vivenciadas pelo setor, é possível enxergar a capacidade que esse segmento do agronegócio possui em superar ocasiões difíceis e de se reerguer em momentos de incertezas.
No ano de 2013, casos confirmados e suspeitos de Mormo, enfermidade que acomete os equinos e é transmissível aos seres humanos, começou a surgir pelo Brasil. Estados como Bahia, Rio de Janeiro, Espirito Santo, São Paulo e Paraná foram tidos como focos da doença, deixando o país totalmente vulnerável. Animais sacrificados, propriedades interditadas e eventos interrompidos ou cancelados, foram algumas das situações críticas resultantes do reaparecimento da doença. Situações estas, que foram prontamente enfrentas pelo mercado, com ações que cumpriam todas as exigências, novas para a época e também já existentes, determinadas pelas Agências de Defesa Agropecuária dos Estados, com relação à sanidade dos equinos. Tendo como ponto principal a obrigatoriedade da realização de exame negativo para a doença em situações de trânsito e aglomeração de animais.
Entre os anos de 2014 e 2016, o Brasil enfrentou uma de suas piores crises econômicas, com quedas praticamente contínuas do PIB do País, com uma lenta recuperação começando a ocorrer somente em 2017. Entretanto, neste período de retração, dentre todos os setores da economia, somente o setor agropecuário não sofreu o impacto negativo, incluindo o segmento do cavalo. Notícias da época anunciavam que, apesar da crise no Brasil, o mercado de cavalos crescia 12% segundo dados do IBGE.
Logo após o seguimento da equinocultura ter passado à margem da crise econômica, em 2016 o Brasil se preparava para receber as Olimpíadas. No que tange às modalidades equestres olímpicas na “Rio 2016”, havia uma especulação muito grande sobre o risco das provas de hipismo não acontecerem em solo brasileiro. Isso porque, no ano anterior, o Complexo Deodoro, local que sediaria as respectivas provas, teve dois casos de cavalos suspeitos de Mormo, o que causou uma série de dificuldades para a Conferação Brasileira de Hipismo (CBH) contornar a situação.
Com isso, foram acordas com a Federação Equestre Internacional (FEI) uma série de medidas de biossegurança assertivas, com o intuito de evitar qualquer tipo de risco. Todos os cavalos do Exército Brasileiro que se encontravam no Complexo Olímpico de Deodoro, sede das competições equestres durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, foram submetidos a mais testes para Mormo, além de um corredor sanitário ter sido montado entre o aeroporto internacional do Rio e as instalações em Deodoro para garantir a segurança de todos os cavalos participantes do evento.
Em paralelo a todos esses acontecimentos, o segmento equestre no Brasil passava por diversos questionamentos constantes em torno das relações dos seres humanos com os animais participantes das modalidades equestres esportivas. Diante disso, tais questionamentos geravam, e de certa forma ainda geram, demandas judiciais em torno de algumas modalidades equestres.
Em 2017, registrou-se uma conquista histórica para o universo equestre, quando o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 304/17. O texto, que já havia sido aprovado em primeiro turno, alterava a Constituição para estabelecer que não fossem consideradas cruéis as atividades desportivas que utilizassem animais, desde que registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro e garantissem o bem-estar dos animais.
Neste sentido, recentemente o Presidente da República Jair Bolsonaro, sancionou a Lei Nº 13.873, de 17 de setembro de 2019, que altera a Lei nº 13.364, de 29 de novembro de 2016, reconhecendo definitivamente os esportes equestres, como manifestações culturais nacionais e elevando tais atividades à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro, dispondo ainda sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal.
O sucinto relato cronológico acerca das intercorrências enfrentadas nos últimos anos pelo setor da equinocultura no país nos faz crer e ter a esperança de que, por mais que uma pandemia viral de proporções continentais venha causar importante impacto negativo para o setor, medidas e ações estratégicas para recuperação serão intensamente planejadas em relação ao futuro do mercado.
No entanto, obviamente o atual cenário é incerto, podendo desenvolver uma tendência ainda mais negativa, caso a doença continue avançando. Em curto prazo, o maior impacto reflete diretamente na última fase da cadeira produtiva, o “depois da porteira”, mais precisamente na comercialização. É sabido da significativa contribuição dos leilões virtuais hoje para o segmento, porém, os grandes remates presenciais são os que movimentam as expressivas cifras do cavalo, estando diretamente ligados aos resultados dos animais apresentados em pistas. Em médio prazo, um período grande de recesso na realização de provas poderia refletir em uma redução no número de animais destinados aos treinamentos das mais diversas modalidades, gerando um impacto direto aos centros de treinamento, ou seja, em outra fase da cadeia produtiva, “o dentro da porteira”.
Com tudo, a sensatez aliada à capacidade de reinventar serão virtudes que o mercado do cavalo terá que desenvolver e explorar. Iniciativas de marketing, principalmente em relação ao esporte e a comercialização, deverão ser pontos a serem trabalhados, bem como a comunicação, interação e sensibilização não apenas do segmento do cavalo, mas também de todo o agronegócio brasileiro. Desta forma trabalhando para aumentar e potencializar oportunidades que eventualmente possam surgir em meio à crise e suavizar a passagem do vírus.
Diante dos fatos, fica evidente o grande desafio que virá pela frente, porém, o momento delicado não é de pânico, mas sim de extrema paciência, cautela, consciência, discernimento e, sobretudo, criatividade para atuar com êxito frente aos atuais e futuros efeitos da pandemia. Desta maneira, a busca para mitigar as consequências econômicas negativas da doença para o agronegócio da equinocultura, sem dúvida, será o foco e a prioridade do setor. Mas, enquanto a calmaria não vem, a tropa fica em casa!
Orlando Filho
Médico Veterinário, Tecnólogo em Agronegócio e Gestor de Equinocultura. E-mail: ocsf_silva@hotmail.com
fonte: https://www.revistahorse.com.br/imprensa/a-tropa-fica-em-casa/20200329-115943-W927